quarta-feira, 4 de julho de 2012

Os contos de Carlos Galhardos, o rapaz cheio de fardos (5)


Fardo do dia: vampiros existem.

15h40 da tarde. O tédio reina na minha casa. Já vi todos os vídeos de todos os canais engraçados do Youtube que conheço, vários vídeos de gatinhos fofos, na Sessão da Tarde tá passando A Lagoa Azul, a NET tá fora do ar. Ah, bons tempos eram aqueles nos quais o Marcão ligava e a gente ficava papeando sem rumo... Ei, é isso! Bora ligar pro Marcão, se pá a gente sai ou só fica conversando por horar, até a madrugada como ele sempre fazia...

- Alô?
- Marcooones, meu velho, há quanto tempo não papeamos!
- Nossa Carlão, pode crer! Como vai a vida, velho?
- Ah cara, tédio das férias, sabe como é... Mas de resto, tudo na mesma. E com você?
- Comigo tudo bem... Nada de novo, acho... AH! Lembra da Juju, a gatinha que eu te apresentei no aniversário da Mari?
- Lembro, lembro sim... - Juju era uma menininha lindinha que falava pequenininho. - Vocês tão namorando?
- Estamos cara, ela é demais! Sabe que outro dia a a gente tava lavando roupa e...

Ah, sim. Acho que acabei de lembrar o motivo de eu não falar com o Marcão faz tanto tempo. Quando eu o conheci, ele era um cara muito legal, engraçado, legal de ter como companhia. Então, começou. Ele brigou com a Lari, sua ex namorada, e todos os dias me ligava em plena madrugada pra choramingar. E por mais que eu tentasse fazê-lo enxergar o que tava bem na frente dele - ela não presta, mostrou isso várias vezes, pra que se importar se ela veio com um brinco novo hoje? Ela pode ter ganho de presente da avó, sei lá -, por mais que eu tentasse ajudar, ele continuava na mais completa e profunda merda. Até que, um dia, surgiu a Jac. Ele a conheceu comprando miojo no mercado e eles saíram e começaram a ficar. Subitamente, Marcão tornou-se um nome desconhecido, minhas madrugadas ganharam 3 horas a mais e minha mente perdeu 5kg. Até 2 meses depois, quando ele descobriu que Jac era apelido de Jacques e ficou arrasado de novo e subitamente, refez contato comigo. E é sempre assim.

E o pior: quando ele tá com alguém, a vida toda dele passa a ser relacionada àquele ser. De repente, parece que eles têm que estar juntos sempre. Todas as histórias passam a envolvê-la. E o pior de tudo: tudo que a envolve parece extremamente interessante a ele, o que faz com que ele se sinta altamente propenso a contar as várias histórias engraçadinhas que aconteceram o que os dois. São histórias extremamente engraçadas e interessantes - só que não.



Nada contra a felicidade dele - todo mundo sabe que eu faço de tudo pra tentar ajudar e acho legal ele estar feliz. Só que tem limite. Toda vez que eu tenho um problema e preciso conversar, ele diz que está aberto a conversas, eu me animo e começa o seguinte diálogo, surpreendentemente semelhante em todas as vezes que ocorre:

- Então cara, eu tô me sentindo meio renegado, sabe? Meio mais chato que o normal... Sei lá, eu me sinto meio excluído no mundo às vezes, parece que ninguém liga pro que eu falo, parece que eu só ajudo os outros e só ganho pisada na cabeça em troca...


E sim, esse é um sentimento constante - até porque ninguém quer saber de me ajudar a resolvê-lo, aí fica mais lento o processo. A essa conversa, por exemplo, existem duas respostas: a resposta solteira...


- Ah cara, não é nada, vai passar. Mas meu, tá foda, sabe... A Lari veio com uma saia nova hoje. PRA QUE BABACA QUE ELA TÁ QUERENDO SE MOSTRAR? Cara, eu e você precisamos aprender a nos valorizar mais, a ser felizes sozinhos, sabe? Depender dos outros não tá com nada!

... e a resposta "casada":

- Ah cara, não é nada, vai passar. MANO, xô te contar, a Jac hoje fez a coisa mais legal do mundo, ela consegue mirar o xixi e desenhou um "eu te amo" na areia pra mim! Ela não é linda? Meu, namorar é a melhor coisa do mundo!
- Ah, sim... Aliás, você vai levá-la ao nosso happy hour da semana que vem? Lembra, que a gente combiniu 3 semanas atrás?
- Putz, semana que vem? Meu, é que a Jac tem consulta no urologista - parece que ela tá com ardência ou coisa assim - e depois a gente tem que ir no pet shop e no supermercado e... Meu, não dá mesmo.

E o saldo da conversa é sempre o mesmo: eu continuo insatisfeito - com tédio, precisando conversar, triste, desanimado - e a outra pessoa sempre sai mais feliz, sem perceber a hipocrisia e a contradição nas coisas que diz. Gente que só procura quando precisa tem pra todo lado. E eu tenho mais é que aprender que o Marcão sempre vai ser assim. Não que ele seja uma pessoa ruim, pelo contrário, ele é bem legal.  Mas toda vez que eu vou embora ou desligo o telefone eu me sinto morto, sem energia nenhuma - tanto pelo consumo "interno" dos meus monstrinhos psicológicos particulares, quanto pela energia que ele tira de mim. Vampiros existem sim, e são bem mais comuns do que a gente pensa.

E não leve a mal, sabe: eu gosto de ajudar. E não acho que eu deva começar a fazer com ninguém o abuso que fazem comigo. Só acho que amizade, de verdade, é bilateral, e a ajuda deve fluir dos dois lados, pra que um dos lados não transborde.

-... e aí ela jogou mais amaciante do que devia e agora todas as minhas camisas são azuis! Hahaha, ela não é linda? Ai ai... E você, o que conta?
- Ah, tava meio entediado e resolvi te ligar pra bater um papo!
- Poxa cara, que legal, saudades! Mas agora eu preciso ir, a Juju tem que tirar dinheirinho no caixinha eletroniquinho, né momozinho? Parti velho, té mais!

Acho que o real fardo é aceitar que algumas coisas - e algumas pessoas -, por mais que se queira, jamais vão mudar.

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